Em meio a uma crise sem precedentes, com a população brasileira refém do caos produzido por um governo federal incompetente e genocida, o Congresso Nacional segue em recesso parlamentar. Fomos uma das poucas vozes que pediram a retomada urgente dos trabalhos na Câmara para pautar a vacinação, a falta de oxigênio em Manaus, a continuidade do auxílio emergencial e, sobretudo, o impeachment de Bolsonaro. Infelizmente, o retorno está previsto apenas para fevereiro, já com a eleição para a presidência da Casa, marcada para o primeiro dia do mês.
De acordo com o regimento da Câmara dos Deputados, para ser eleito em primeiro turno, o candidato precisa ter maioria absoluta entre os votantes. Hoje, partidos de esquerda e centro-esquerda – PT, PSOL, PCdoB, PDT, Rede e PSB – possuem 126 dos 496 deputados federais em exercício (17 deputados do PSL estão suspensos de suas atividades partidárias). Esse grupo é capaz de fazer diferença no pleito apertado que se desenha entre os dois principais nomes do chamado “centrão”: Arthur Lira (PP), apoiado por Bolsonaro, e Baleia Rossi (MDB), apoiado pelo atual presidente, Rodrigo Maia (DEM). Ainda assim, mesmo com diferentes posições internas, os partidos de esquerda e centro-esquerda – com exceção do PSOL – optaram por apoiar Baleia Rossi sem condicionar seus votos à garantia de abertura de um processo de impeachment e retomada do auxílio emergencial.
“Nosso compromisso concreto é apresentar o requerimento de impeachment de Bolsonaro, que atualmente é o maior obstáculo da população brasileira no enfrentamento da pandemia”. A frase é de Luiza Erundina, deputada federal e nome que o PSOL apresenta à presidência da Câmara dos Deputados.
Os votos das dez deputadas e deputados do PSOL não são capazes de levar a uma possível vitória de Lira no primeiro turno. E por que, então, a apresentação de uma candidatura de esquerda sem chances de ganhar? Respondo com outra pergunta: por que o clamor para sermos aliados de primeira hora daqueles que são diretamente responsáveis pela manutenção do atual governo no poder?
O jogo dominante no Parlamento é, antes de tudo, sobre cargos e influência na estrutura interna. Por isso, é um equívoco equiparar o jogo internista de alianças que se desenrola nessa disputa dentro da Câmara com a busca por uma frente ampla progressista para as eleições de 2022 para derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo. O que a oposição perde, com o apoio imediato a um candidato do centrão, é a oportunidade, com seu tamanho e sua importância programática, de buscar o comprometimento com pautas fundamentais num possível segundo turno. Infelizmente, a forma como o debate está sendo apresentado à população não traduz o jogo que se trama nos bastidores. Nesse cenário, derrotar o candidato de Bolsonaro na Câmara, embora necessário, não significará uma derrota do bolsonarismo, que se espraia na cultura política brasileira, para além das instituições, muito menos um freio aos ataques contra a democracia e os direitos sociais.
Por tudo isso, uma candidatura própria de esquerda é indispensável para expor os interesses que estão em conflito e afirmar uma agenda de direitos e proteção à vida do povo brasileiro – forma consistente de contrapor o bolsonarismo difuso no Parlamento e na sociedade. A escolha por Luiza Erundina é pela vacina, pela renda justa e por uma alternativa efetiva ao governo. Impeachment já!
* Artigo originalmente publicado no Jornal O Tempo