Originalmente publicado no jornal O Tempo
Há três anos, os membros da aldeia Naô Xohã, formada por indígenas Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe, choram a morte do rio Paraopeba – um ritual de velório por “um dos seus”, como diz o ex-cacique Hayô. Vivendo a poucos metros das margens do rio, em São Joaquim de Bicas, no dia 25 de janeiro de 2019 eles tiveram seus modos de vida impactados de forma irreversível pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Agora, perderam também suas casas. Com as fortes chuvas que atingiram Minas Gerais neste janeiro, tiveram que abandonar a aldeia por causa da cheia do rio contaminado pelos rejeitos tóxicos da mineradora. Um crime sem fim.
Para exigir reparação integral e justa, os integrantes da aldeia Naô Xohã bloquearam trecho de uma linha de trem da mineradora na data em que a tragédia criminosa completou três anos. Queriam também o reassentamento imediato das famílias em território sem contaminação e um auxílio emergencial para a comunidade. A mineradora respondeu com descaso e terror: por três dias, os indígenas foram submetidos ao barulho ininterrupto e ensurdecedor de uma sirene, na tentativa de dispersar a manifestação. Participantes também relataram intimidações e ameaças por parte de funcionários e pessoas ligadas à mineradora.
A Vale negou a possibilidade de realocar as famílias em local seguro. Afirmam que o território da aldeia não está contaminado, contrariando relatórios do Igam e da SOS Mata Atlântica que confirmaram a presença de metais pesados nas águas do rio Paraopeba. O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) se manifestaram reiterando que poluentes existentes desde a época do rompimento inviabilizam o retorno da comunidade indígena às suas casas mesmo no longo prazo. Esses órgãos pedem o reassentamento e um auxílio financeiro para as famílias, mas as negociações até o momento não caminharam – a mineradora alega não ter responsabilidade pelo fato.
MPF e DPU também recomendaram que a polícia respeitasse o direito dos indígenas de protestar contra a Vale, mas uma decisão judicial obrigou os manifestantes a liberar a linha férrea. Enquanto isso, as cerca de 18 famílias indígenas se viram forçadas a voltar às terras contaminadas enquanto seguem cobrando providências. Muitas delas com gestantes, idosos, bebês e crianças, além de pessoas contaminadas pela Covid-19.
Em conversa com a equipe do nosso mandato, o cacique Arakuã, da aldeia Naô Xohã, fez um apelo: “Nosso povo está sendo massacrado mais uma vez. A lama, o minério, a contaminação estão dentro das nossas casas!”. Outra liderança, o cacique Wêkanã, pediu socorro em nome da comunidade: “Foi tirada do nosso povo a nossa terra, nossa aldeia, nossa mãe, nossa vida e nosso sonho!”
Foi em visita à aldeia Naô Xohã pela Comissão Externa Desastre de Brumadinho da Câmara dos Deputados, dois meses após a tragédia criminosa, que presenciei o ritual de velório do Paraopeba. E foi por meio desse fórum que elaboramos, também em 2019, um conjunto de projetos que buscam tornar a mineração mais responsável. Quatro delas foram aprovadas pelo plenário da Câmara, mas aguardam até hoje votação no Senado. Em 2021, apresentamos um Projeto de Lei (2.945/2021) para proteger comunidades atingidas pela mineração e impedir que empresas bilionárias se aproveitem de tragédias criminosas para enriquecer ainda mais.
É fundamental enfrentarmos as violações de direitos e os impactos desse modelo predatório de exploração que coloca o lucro acima da segurança de cidades inteiras. Pelo nosso presente e pelo futuro de Minas, essa luta precisa ser de todas nós.
Foto: Divulgação / Aldeia Naô Xohã