Áurea Carolina é uma mulher de muitas facetas: é feminista negra e por isso luta por um mundo livre de machismo, racismo, LGBTIfobia e todas as formas de violência; é educadora popular e aposta em uma educação emancipatória, que valorize os saberes populares e tradicionais; é mestra em ciência política e se dedica a possibilidades de um fazer político radicalmente democrático, comprometido com a renovação das práticas. Áurea traz no sentimento e no gesto a busca por um lugar onde todas e todos possam viver bem, com autonomia, liberdade e dignidade.
Cultura hip hop: a primeira escola de formação política
Neta de avó lavadeira e avô comunista, filha de mãe técnica em edificações e pai eletricista, Áurea cursa os ensinos fundamental e médio em escolas públicas de Belo Horizonte e, em 1999, ingressa no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Ainda adolescente, torna-se vegetariana e passa a integrar o grupo de rap Dejavuh, aproximando-se cada vez mais da cultura hip hop, que viria a se tornar sua primeira escola de formação política. Na esteira dessas vivências, articula com jovens das quebradas de BH e Região Metropolitana o coletivo Hip Hop Chama, um espaço permanente de ativismo que unia o fazer artístico com o pensamento crítico nas quebradas e na cidade como um todo. O encontro das culturas periféricas e das questões juvenis, de gênero e étnico-raciais marcaria de forma definitiva sua formação e atuação sociopolítica.
Mulheres, juventudes e culturas periféricas no centro
Já cursando ciências sociais na UFMG, participa em 2004 da criação do Fórum das Juventudes da Grande BH, atua como mobilizadora social na Associação Imagem Comunitária (AIC) e é premiada com uma bolsa do programa GRAL – Gênero, Reprodução, Ação e Liderança, da Fundação Carlos Chagas. Em 2006, aos 23 anos, torna-se conselheira municipal de juventude de BH pela regional Noroeste, passa a integrar o Fórum Cone Sul de Mulheres Jovens Políticas, é eleita secretária executiva do Conselho Municipal de Juventude de Belo Horizonte e participa, ao lado de outras 13 mulheres, do espetáculo Atitude de Mulher, que levou para o palco do Festival de Arte Negra de Belo Horizonte (FAN) os elementos do hip hop, a dança afro e a percussão.
Os laços com a universidade e com a gestão pública
Quatro anos depois, Áurea é contemplada por uma bolsa de estudos da Fundación Carolina e segue para a Espanha, para uma especialização em gênero e igualdade na Universidade Autônoma de Barcelona. Em 2011, já de volta a BH, integra o GT de Mulheres Jovens da Secretaria Nacional de Juventude e se aproxima do movimento Fora Lacerda, que denunciava as políticas excludentes do então prefeito da capital mineira. Em 2015, torna-se vegana, atua por cinco meses como subsecretária de Políticas para as Mulheres de Minas Gerais e conclui seu mestrado no Departamento de Ciência Política da UFMG, com pesquisa sobre a inclusão das mulheres jovens na agenda do governo federal. Nesse ano, também participa da construção das Muitas, uma movimentação de coletivos, movimentos sociais e ativistas que surge com o objetivo de ocupar, com cidadania e ousadia, as eleições municipais. O grupo apoia e fomenta a emergência de candidaturas populares e transformadoras, que afirmem e vocalizem as lutas concretas da cidade por uma Belo Horizonte mais justa, inclusiva e participativa.
Ocupar a política com ousadia e cidadania
Em 2016, para construir a cidade que queremos, as Muitas apresentaram a Belo Horizonte doze candidatas e candidatos à Câmara Municipal por meio da Frente de Esquerda BH Socialista (PSOL, PCB, Brigadas Populares e MLB). Eram doze pessoas que representavam, com seus corpos políticos, lutas que nos atravessam – entre elas Áurea Carolina. As mulheres, as pessoas negras, os povos indígenas, as pessoas LGBTIQ, a luta pelo direito à cidade, pelos animais e verdes, antiprisional e pela legalização das drogas, as juventudes e o povo da cultura se encontravam naquelas candidaturas, unidas em uma mesma plataforma de valores e compromissos compartilhados.
Movida por sonhos e desejos coletivos e contando, principalmente, com trabalho voluntário, a campanha das Muitas rendeu frutos maravilhosos. Áurea foi eleita com impressionantes 17.420 votos, tornando-se a mulher mais votada da história da cidade e a mais votada entre homens e mulheres nos últimos 16 anos. Cida Falabella também foi eleita vereadora pela coligação e, ao lado de Bella Gonçalves, primeira suplente, elas inauguraram na Câmara Municipal de Belo Horizonte a Gabinetona, uma experiência inédita de mandato compartilhado.
Ampliação das lutas
Em um momento histórico que demandava a resistência organizada contra os retrocessos, Áurea se lançou candidata à Câmara dos Deputados, novamente em uma campanha coletiva das Muitas. Foi eleita deputada federal por Minas Gerais em 2018 – a mulher mais votada do estado e, novamente, a parlamentar mais votada na capital e na RMBH. Andréia de Jesus foi eleita deputada estadual, Bella Gonçalves assumiu como vereadora ao lado de Cida Falabella na Câmara Municipal de BH. Juntas formaram o primeiro mandato coletivo em três esferas do legislativo até o final de 2020.
Finalizado o ciclo da Gabinetona nas três esferas do Legislativo, Áurea seguiu em parceria com os mandatos locais e continuou inovando em iniciativas como a consulta pública para destinação de emendas parlamentares, fazendo outra política na prática.
Junto à bancada do PSOL, seu mandato resistiu aos retrocessos do governo Bolsonaro e lutou pelo fim do Orçamento Secreto no Congresso. Áurea integrou a comissão de cultura da Câmara dos Deputados e, ao final de 2022, colaborou com a equipe de transição do governo Lula para a refundação do Ministério da Cultura.
Por sua atuação no enfrentamento à mineração e na defesa das comunidades atingidas, foi reconhecida em 2020 pelo Prêmio Congresso em Foco como uma das melhores parlamentares na categoria clima e sustentabilidade.
Política e o compromisso real com as pessoas
Ao fim de seu mandato na Câmara dos Deputados, Áurea optou por não disputar a reeleição. Ao contrário de políticos de carreira tradicionais, a filiação de Áurea é a uma trajetória e a uma biografia, e sua herança vem da vivência das ruas, das culturas periféricas, da partilha da vida pública em comunidade e da organização popular. Áurea não se classifica propriamente como uma cientista política, uma acadêmica ou uma liderança de movimentos sociais, mas situa e constrói sua travessia na fronteira entre esses universos.
Áurea é movida pela convicção de que é possível fazer uma política feminista antirracista com honestidade, amor e compromisso também na vida cotidiana. Acredita que precisamos romper com negociatas do jogo político, mexer na estrutura de privilégios, redistribuir recursos, investir em serviços públicos, transformar nossas relações com os seres da Terra e criar existências modestas, pautadas no bem viver de todas as criaturas. É com essa missão que ela retorna à sociedade civil, como Diretora Executiva do NOSSAS.